Como discussões sobre “caráter de bairro” reforçam o racismo estrutural

Quando a cidade de St. Paul, Minnesota, propôs o desenvolvimento de prédios de apartamentos e espaços comerciais em uma região industrial vazia, um artigo de opinião na Growler Magazine comparou o desenvolvimento proposto a uma trituradora de metal. “Em vez de conservar e melhorar as qualidades e caráter do bairro,” escreve Charles Hathaway, “a requalificação endossada pelo projeto da cidade desconsidera as características únicas do bairro e diminui sua qualidade.”

A região, no bairro de Highland Park em St. Paul, está desocupada desde que a fábrica de montagem da Ford Motor Company foi fechada há uma década. A incorporadora Ryan Companies comprou o local com planos de construir 3.800 unidades habitacionais, 20% delas destinadas a habitações populares. Mas os oponentes dizem que o desenvolvimento arruinaria o “caráter” do bairro, um lugar que dizem ter um ar de cidade pequena em meio a uma cidade de médio porte. Esta não é apenas uma frase comum; está literalmente escrito no código de zoneamento da cidade para uso condicional: “O uso não prejudicará o caráter existente do empreendimento na vizinhança imediata nem colocará em risco a saúde pública, a segurança e o bem-estar geral”.

Mas o que conta como “caráter do bairro” e quem pode defini-lo? Em muitas cidades, são proprietários brancos e ricos que moram lá há décadas. “Uma tática comum é usar o zoneamento para residências unifamiliares ou grandes lotes que exigem que as residências unifamiliares tenham uma quantidade significativa de terreno ao redor da estrutura”, disse Lance Freeman, professor da Escola de Graduação em Arquitetura, Planejamento e Preservação da Universidade de Columbia. “Coisas como essas dificultam a construção de moradias multifamiliares. Então claramente isso serviria para impedir a entrada de certos tipos de moradias mais acessíveis.”

Leis de zoneamento racistas

As leis de zoneamento nos Estados Unidos têm uma história racista. Inicialmente, elas não foram implementadas apenas para regular o uso da terra, mas também para o controle social, um esforço para evitar que bairros ricos se tornassem favelas. Embora tivessem como objetivo melhorar o meio ambiente, também eram usadas para impedir a entrada de “indesejáveis”, a saber, pessoas pobres, racializadas e imigrantes.

Enquanto as comunidades ricas foram capazes de usar o zoneamento à seu favor — preservando seus valores de propriedade e controlando o desenvolvimento de escolas e empresas —, as comunidades pobres foram sobrecarregadas pelo que é chamado de “zoneamento excludente”, vivendo próximo a aterros industriais e de descarte de resíduos perigosos, sem acesso a parques públicos e supermercados.

E isso não é visto apenas em St. Paul. Também encontramos em cidades como Charleston, na Carolina do Sul, que enfrenta uma crise de moradias acessíveis, mas que bloqueou o desenvolvimento no centro da cidade, em nome da preservação histórica. Em 2019, Minneapolis, vizinha de St. Paul, tornou-se a primeira grande cidade a acabar com as restrições de moradia unifamiliar, permitindo, em vez disso, a construção de moradias multifamiliares em qualquer lugar da cidade. Mas do outro lado do rio, em St. Paul, a batalha pela densidade ainda está acontecendo.

O que é considerado “caráter”?

Tom Basgen, 32 anos, é inquilino em St. Paul e há uma década participa de reuniões públicas sobre o antigo local da fábrica da Ford. Ele mora na cidade desde 2009. “Eles não podiam falar, você sabe, isto é Highland Park. Não queremos pobres vivendo aqui.” “Eles diriam: como isso vai afetar o caráter do nosso maravilhoso bairro? É um bairro maravilhoso. Meu ponto é que, como locatário, você sabe, gosto de pensar que recolho o lixo, contribuo para essa boa caraterística da vizinhança." 

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Registro da audiência na Prefeitura de St. Paul, em 2017, sobre o zoneamento da região da antiga fábrica da Ford. Imagem: Homes For All/Flickr

Basgen diz que há uma crença de que locatários são ervas daninhas, crescendo em um bairro sem nenhum compromisso real com isso. Mas com o aumento dos preços das casas e os salários estagnados, a propriedade de uma casa está cada vez mais fora do alcance de muitos americanos. Existem mais locatários nos EUA hoje do que em qualquer momento desde pelo menos 1965. Mas, há muito tempo, as vozes nas reuniões da comunidade costumam ser de proprietários de imóveis de longa data.

Muitas casas no bairro de Highland Park foram historicamente vinculadas a acordos raciais, como Michael Daigh escreve para Streets.mn, impedindo pessoas racializadas de comprá-las. Acordos raciais são ilegais há décadas. Mas isso não significa que eles não tiveram um efeito duradouro sobre o que consideramos “caráter”.

“Se um Baby Boomer comprou sua casa em Highland há 30 anos, há uma grande probabilidade de que foi comprada de outro residente de longa data que intencionalmente comprou uma casa que era ‘protegida’ por acordos raciais”, escreve Daigh. “Também é razoável supor que, no crepúsculo dos acordos raciais legais, os proprietários ainda faziam escolhas intencionais sobre para quem venderiam.”

Representação para locatários

Há uma mudança acontecendo em St. Paul. Basgen trabalhou para eleger Mitra Jalali para o Conselho Municipal da cidade há dois anos. Basgen e Jalali foram descritos como YIMBYs (“Sim no meu quintal”) por lutarem contra os NIMBYs da vizinhança (“Não no meu quintal”).

Historicamente, os locatários não tinham voz em St. Paul. Jalali ganhou as manchetes como a primeira locatária e membro mais jovem do conselho. “Pessoas que usam linguagem codificada como ‘caráter de bairro’ e ‘preservação histórica’ estão participando da supremacia branca estrutural que historicamente e atualmente valoriza o ‘caráter’ branco e a ‘história’ branca às custas de todos os outros”, disse Jalali.

“Não precisamos descartar a manutenção de significado histórico ou estruturas físicas em nossa cidade, mas precisamos descartar o bloqueio de toda e qualquer mudança positiva em nome de uma definição limitada da população de ‘história’ e ‘caráter’. ” Jalali recentemente pressionou para fazer um novo zoneamento em outra área da cidade para permitir prédios de apartamentos de três andares, dizendo que a mudança beneficiaria o transporte público, jovens e pessoas de cor.

Ela disse que a cidade precisa adotar uma lente de equidade racial em todas as decisões de planejamento urbano, uso da terra e engajamento daqui para frente para capacitar as comunidades racializadas que foram desproporcionalmente afetadas pelo planejamento urbano racista. E ela diz que há mais coisas que St. Paul poderia fazer para melhorar e expandir seu código de zoneamento, como eliminar vagas mínimas de estacionamento.

Em 2020, o St. Paul City Council aprovou um conjunto de proteções ao locatárioque incluía limitar os depósitos de segurança a um mês de aluguel. As proteções também exigem que os proprietários forneçam justificativa por escrito quando não renovarem o aluguel do inquilino. “Acho que o termômetro para saber se essa luta acabou”, disse Basgen, “é se temos ou não moradores de rua nesta cidade.”

Via Caos Planejado.

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Sobre este autor
Cita: Gretchen Brown. "Como discussões sobre “caráter de bairro” reforçam o racismo estrutural" 23 Mai 2021. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/960029/como-discussoes-sobre-carater-de-bairro-reforcam-o-racismo-estrutural> ISSN 0719-8906

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